Teste MBTI, que define personalidade em quatro letras, bate recorde de buscas e vira mania entre a Geração Z

Nunca houve tanto interesse pelo tema como em agosto de 2021, segundo o Google; questionário foi criado por mãe e filha na década de 1940

Publicado em O Globo, por Talita Duvanel, em 29/08/2021 às 04:30

Extrovertido, cético, independente, organizado… Ninguém é uma coisa só. É uma soma de características que nos ajuda a (tentar) responder à pergunta: quem sou eu? Mas não é simples. Daí a tentação de responder àqueles bons e velhos “testes de personalidade”, que pareciam ter caído no esquecimento, mas voltaram com força total. Mas não é um teste qualquer. Na sociedade digital em que abreviar é preciso, o questionário que caiu no gosto da Geração Z não tenta definir nosso perfil com palavras, mas com uma combinação de letrinhas que, para um desavisado, não faz sentido algum. Responder as cerca de cem perguntas do MBTI (sigla para “Myers-Briggs Type Indicator”), questionário mais famoso do gênero, e descobrir qual o seu “código”, virou uma febre.

Seus grandes admiradores são pré-adolescentes e adolescentes, que buscam na internet versões genéricas deste teste clássico, criam contas no Instagram e no TikTok com memes sobre suas personalidades e abastecem fóruns de discussão (com direito a discussão e tudo) sobre o “MBTI de seus ídolos”.

A cantora Billie Eilis é uma ISFP (ou seja, a “artista”, quieta, amigável, gentil). Outra estrela desta turma, Olivia Rodrigo é ESFJ (a “cuidadora”, afetuosa, leal e pontual).

Outros exemplos: Clarice Lispector seria INTJ (do tipo “cientista”, veja só, alguém introvertida, impulsiva, original e cética). Ao passo que Arthur Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes, era mais ESTP ( “cumpridor”, extrovertido, flexível, que gosta de resultados imediatos). Como se chega a este resultado? Aí é preciso uma volta no tempo.

Criado nos anos 1940 e abraçado pelo mundo corporativo desde então, o questionário MBTI é obra da psicóloga americana Katharine Cook Briggs (1875-1968) e de sua filha, Isabel Briggs Myers (1897-1980). Inspiradas na teoria dos tipos psicológicos criada pelo suíço Carl Gustav Jung, elas inventaram uma primeira versão do teste, com 93 perguntas e 16 resultados. E chegaram à conclusão de que somos uma combinação de extroversão (E) e introversão (I); sensação (S) e intuição (N); pensamento (T) e sentimento (F); e julgamento (J) e percepção (P).

Quem é você

Segundo dados do Google, desde que começaram as medições de tendências em 2004, nunca houve tanto interesse global por “MBTI” como em agosto de 2021. O Brasil é o terceiro país que mais faz buscas sobre o assunto, atrás apenas de Coreia do Sul e Cingapura. Neste ano, o termo “MBTI” foi mais procurado do que “astrologia”. No TikTok, a hashtag #mbti tem 1,8 bilhões de publicações.

As irmãs paranaenses Mariana e Júlia Mourão, de 22 e 18 anos, respectivamente, são provas cabais de que o interesse por MBTI cresce numa velocidade absurda em sua geração. Elas são as administradoras da conta “MBTI Culture” no Instagram (@mbti.culture), criada no início do ano e hoje com 100 mil seguidores. Nas publicações, há memes, análises periódicas de cada um dos 16 perfis e até posts do tipo “O MBTI de músicas antigas nacionais”. Ficou curioso? Uma palinha: “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinícius, é uma música ENFJ, para pessoas “doadoras”, acolhedoras e responsáveis. “Meu erro ”,dos Paralamas do Sucesso, é um som ISTP, para os “mecânicos”, aqueles que adoram princípios lógicos.

— Uma das coisas que mais atraem no MBTI é a questão da identificação. Gostamos porque nos reconhecemos, queremos saber mais. E quando vê que tem algum famoso ou personagem de série com o mesmo MBTI que o seu, você fica mais animada ainda. Aí vê um meme que é a sua cara — diz Mariana, que estuda medicina e é INTP, do tipo “pensadora”. — Reflito muito sobre o que está acontecendo, me preocupo em fazer as coisas com bom senso.

Felipe Novaes, doutorando no Laboratório de Personalidade e Psicologia Social na PUC-Rio, acredita que o sucesso do MBTI não só entre jovens, mas também entre adultostem a ver com a intrínseca curiosidade sobre “quem eu sou”:

— Gostamos de saber sobre nós mesmos, por isso vamos acessar qualquer ferramenta disponível para ter algum t ipo de autoconhecimento. A afirmação da identidade individual e grupal tem tido muito apelo com a ascensão dos movimentos identitários. As pessoas estão famintas por pertencimento.

Resposta para o momento

Entre jovens, a tal busca por pertencimento parece mais gritante, como mostra a estudante carioca de Psicologia Beatriz Iozzi, de 18 anos. Ela é uma INFP, a chamada “idealista”, curiosa e adaptável, segundo o manual do “Myers-Briggs Type Indicator”, o teste que virou moda:

— Os 16 tipos ajudam a manter um senso de individualidade, mas, ao mesmo tempo, dão uma ideia de comunidade.

A psicóloga Adriana Fellipelli, da Fellipelli Consultoria, empresa que detém os direitos no Brasil de aplicação do MBTI original (custa cerca de R$ 300 e pode ser feito on-line), concorda:

— A juventude precisa estar numa tribo. Seguir o cara da banda X, o youtuber Y. Ela quer se identificar, mas ainda tem pouco autoconhecimento. Daí, a popularidade nesse momento.

O distanciamento na pandemia, impedindo formação de grupos, é uma hipótese para explicar a MBTImania.

— Com a Covid, houve a necessidade de se entender melhor. Às vezes, o MBTI explica a sua personalidade no dia a dia, mas também suas dificuldades e pontos fracos, e ajuda a melhorá-los — diz a estudante Júlia Mourão, uma ENFP, a “inspiradora” e imaginativa.

Para Jairo Werner, psiquiatra especializado em infância e adolescência e professor da Faculdade de Medicina da UFF, as definições rápidas e descritivas do MBTI caem bem para esta época pandêmica:

—Essas buscas se encaixam perfeitamente no momento de dificuldade. E o modelo é bem atrativo para essa geração do imediato. Mas é importante saber o que vai ser feito com essas informações. Esses testes de personalidade são descritivos, refletem um momento. Têm que ser vistos como um ponto de reflexão, nunca como um ponto final.