- 16/12/2022
- Posted by: Sergio Servantes
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Em alimentos, são 3 bilhões de preços no mercado; número dispara com ‘marketplaces’
Publicado em O Valor Econômico, por Adriana Mattos, em 16/12/2022 às 05h01
Décimo maior mercado consumidor global e com uma classe média formada por mais de 100 milhões de pessoas, o Brasil formou nos últimos anos uma das principais indústrias de definição de preços do mundo – “precificação”, no jargão do setor. O volume colossal de dados analisado nessa área ajuda a determinar, no fim do dia, quanto custam o alfinete ou ou a geladeira de R$ 30 mil, a mais cara à venda por aqui.
Esse departamento dentro das varejistas (chamado “pricing”) cresceu ainda mais em relevância depois que o “marketplace” virou uma realidade no Brasil, e cresceu ainda mais em relevância depois que o “marketplace” virou uma realidade no Brasil, e lojas físicas de todos os portes invadiram o mundo digital, aumentando a complexidade na gestão de informações que circulam no mercado.
Hoje, a mesma loja (e não importa o tamanho dela) vende em vários sites e com preços diferentes para o mesmo produto.
Em períodos decisivos para a venda do ano, como Natal, e quando o varejo tenta proteger mais sua rentabilidade, como ocorre agora – redes têm ressaltado políticas mais racionais na venda -, acertar no preço vira ponto chave. “[A área de] pricing é a que tem maior potencial de gerar resultado no curto prazo em termos de rentabilidade e ‘share’”, resume Fernando Nagano, diretor de análise de dados do Magazine Luiza.
“Tivemos uma evolução em termos de tecnologia nos últimos anos, de sofisticação de algoritmos, que nos permite ser mais certeiros, e também permite municiar os sellers [vendedores da plataforma] com mais dados sobre preços e competitividade”, afirma Marcio Cruz, CEO da plataforma digital da Americanas.
Há um impacto nesse cenário do rápido avanço das plataformas estrangeiras no país (como Shopee e Shein) de dois a três anos para cá. Houve uma invasão nos sites e “apps” de uma quantidade grande de micro e pequenas lojas parceiras, e com elas, aumentou ainda mais o volume de dados sobre preços no varejo.
Triplicou o volume de lojas hospedadas no Magazine Luiza, Americanas e Casas Bahia (da Via) desde 2020. Somadas, nelas estão mais de meio milhão de lojistas (sem descontar duplicidades). No Mercado Livre, consultores estimam existir 6 milhões de lojas.
O mesmo cenário se repetiu em plataformas de entrega dos supermercados que também hospedam lojistas, como iFood, Rappi e Cornershop. “A pandemia ‘jogou’ muitas empresas para dentro das plataformas, então a quantidade de informações sobre produtos, preços, condições, disparou”, diz Eduardo Martinelli, CEO da Thima Consultoria e ex-Via e ex-Walmart.
“Definir se o produto vai custar mais caro na loja do que no site, ou se a rede vai se posicionar acima ou abaixo da média do mercado são temas da agenda de agora, e que ganham peso maior em períodos de alta competição e busca maior de rentabilidade, como hoje. O pricing é crucial nisso, junto com o comercial e a área de gestão de categorias, que operam juntas”, diz.
“O digital transformou a forma como a varejista precifica”, afirma Nagano, do Magalu “Ao mesmo tempo, os sistemas de captação e análise evoluíram, a qualidade dos dados melhorou, e se consegue rastrear preços com muito mais facilidade e muito mais frequência do que anos atrás. A fase atual é de aprofundar mais a análise”. Robôs atuam nesse processo de busca dos dados, além do trabalho interno e das consultorias terceirizadas.
Nesse cenário, ainda há o efeito da alta volatilidade nos preços causada pela inflação, que fez o brasileiro perder referência de valores. Isso exige das empresas melhor gestão de dados para ver se não está muito descolado da média e alinhar isso com a política de margens adotada no momento.
Levantamento obtido pelo Valor, realizado pela InfoPrice, uma das principais consultorias da área, mostra que, em novembro, eram 3 bilhões de preços disponíveis no mercado alimentar e de bebidas, número três vezes maior que o de junho. Em setembro, eram 2 bilhões – a alta refletiu a adição na cobertura da consultoria das empresas de marketplace.
Para o cálculo dos 3 bilhões, a Infoprice contabiliza um preço para cada produto em uma loja. Se entram novos itens ou o preço muda, a conta é atualizada. São utilizadas informações das secretarias da Fazenda (que reúnem notas fiscais), e há coleta direta em lojas de varejistas líderes e em aplicativos de plataformas. Segundo Paulo Garcia Neto, CEO da consultoria, as variáveis de análise cresceram.
“Não se trata apenas de definições de preços pela praça onde se está e pelo fato de ter um concorrente perto. Hoje temos o ‘clique e retire’ e os ‘superapps’, por exemplo, e as condições de preços às vezes diferem. São estruturas de custos que podem ou não afetar o preço. Só dá para resolver isso com muita tecnologia e processos estruturados de análise.
Segundo Vanessa Shigekiyo, gerente de produto da InfoPrice, pesquisas mostram as estratégias de precificação de canais no país hoje. “Quando comparamos os preços do marketplace de alimentos e bebidas por exemplo, com os preços de nota fiscal e ponto de venda, obtivemos 57% de preços iguais”, diz.
“Achávamos que teríamos até mais preços iguais. O dado mostra como empresas ainda têm políticas diferentes para os canais, algo que pode ter uma relação com custos separados de cada um [loja tem estrutura mais ‘cara’ que site] ou com estratégia de preços e margem adotada no período”. Operações integradas (loja e site) diluem o custo da loja no todo.
Os itens mais caros nos marketplaces do que nas lojas custavam 11% mais, e os mais baratos, eram 17% mais em conta, reforçando a agressividade do comércio digital. Martinelli lembra que há questões fiscais nessa conta. “Se a loja tem vantagens fiscais nos locais onde está, isso afeta o valor”, diz.
Marcio Cruz, da Americanas, conta que a empresa começa a disponibilizar nesta semana o acesso aos lojistas da plataforma a um conjunto mais estruturado de dados dos produtos, numa espécie de “dashboard”, que permite fazer comparações e ver se está competitivo frente ao mercado.
As plataformas não interferem na política de preços dos vendedores, mas atuam orientando-os. Como o marketplace chega a ser mais de metade da venda on-line das grandes redes, esse lojista precisa de atenção mais constante.
Segundo Cruz, o avanço no modelo de precificação traz desafios. “O primeiro é a comunicação ao cliente, porque há muitas opções de produtos e preços, e o segundo é conhecer muito mais o consumidor, e oferecer algo casado com o perfil dele”, diz. “Temos campanhas de desconto para quem usa o cartão Ame, por exemplo, que geram benefícios”.
Ele cita ainda parceria com universidades para desenvolvimento de melhores algoritmos de preços e afirma que, em contas de lojistas de maior porte, a Americanas trabalha com alertas para qualquer variação relevante nas condições de preço no mercado.
Nagano, do Magazine Luiza, reforça que no trabalho para nortear as decisões de preço é possível cruzar dados de fornecedores e informações públicas dos competidores, para verificar se a empresa vem se mantendo dentro ou fora da média, e se vem ganhando “share”.
Já quando há definição do preço no “app” ou site, e se identifica que ele está muito fora de determinado patamar, com a identificação de alguma falha, há “travas” no sistema que podem ser acionadas – ferramenta comum e usada pelo mercado.
A empresa diz que abastece os vendedores da plataforma de informações, com cursos sobre finanças, estratégias de políticas comerciais e treinamento.
O executivo Ricardo Ramos, CEO da consultoria Precifica, lembra que um dos conflitos na precificação, e que foi alvo de debates recentes no mercado americano, são as plataformas buscarem formas de ter preços mais agressivos por meio de cláusulas contratuais. Em 2021, a Amazon foi alvo de processo da procurador-geral nos EUA pela acusação de exigir que lojistas (presentes em outras plataformas) vendessem mais caro nos concorrentes dela. No Brasil, lojistas ouvidos pelo Valor dizem que contratos não têm essa cláusula.
Pelo lado do consumidor, Ramos diz que os clientes passaram a utilizar muito mais diferentes canais para a compra nos últimos anos. E esse cenário gerou expectativa maior de conseguir barganhas, especialmente em datas comerciais fortes. Isso, muitas vezes, gera problemas de comunicação e frustração de clientes.
“É comum hoje o consumidor olhar no site, vir até a loja com o preço na cabeça, e ao ver que está mais caro na loja, avisa o vendedor. Mas não há um retorno claro sobre aquela dúvida. O vendedor só fala que a loja não é aquele preço”, diz Ricardo Ramos, CEO da consultoria Precifica, ao reforçar que isso é mais comum em redes médias, sem integração